RECEITA SEGUE POSIÇÃO DO STJ SOBRE CRÉDITO DE PIS E COFINS

Duas soluções de consulta da RFB publicadas nos últimos dias têm agitado o mundo jurídico e empresarial, visto que tratam da sempre polêmica possibilidade de tomada de créditos de PIS e de Cofins na sistemática não cumulativa.
 
Em 18/1/2021, foi publicada a Solução de Consulta DISIT/SRRF07 nº 7081, que autoriza a tomada de créditos como insumos para PIS e Cofins do vale-transporte fornecido para os “funcionários que trabalham diretamente na produção de bens ou na prestação de serviços”.
 
Nos termos da referida solução de consulta, a RFB entendeu que os valores pagos a título de vale-transporte são considerados insumos para fins de creditamento de PIS/Cofins, pois, além de essenciais, decorrem de imposição da legislação trabalhista.
 
No entanto, segundo a RFB, os créditos serão admitidos se houver disponibilização de vale-transporte ou contratação de pessoa jurídica para transporte do trajeto de ida e volta do trabalho, não se aplicando a eventuais gastos com transporte próprio disponibilizado pela empresa. Com relação aos gastos com vale-transporte, a RFB admitirá o cálculo de créditos apenas sobre a parcela custeada pelo empregador (o montante que exceder 6% do salário básico do empregado), conforme orientado na SC Cosit n° 45/2020.
 
Além disso, os créditos serão admitidos apenas aos funcionários que trabalham diretamente na prestação de serviços ou na produção de mercadorias (não se aplicando, portanto, a gastos com funcionários dos demais setores da empresa: administrativo, vendas, TI etc.).
 
A legislação federal já previa de forma expressa a possibilidade de desconto de créditos de PIS/Cofins sobre gastos com vale-transporte, vale-refeição, vale-alimentação, fardamento e uniforme, mas somente quando fornecidos a empregados por pessoa jurídica prestadora de serviços de limpeza, conservação e manutenção nos termos do artigo 3°, X, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03. Com isso, aos demais contribuintes foi negada a possibilidade de créditos sobre tais dispêndios nos termos do Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 4/2007, segundo o qual o Fisco federal interpretou que tais gastos não poderiam ser enquadrados como “insumos” da pessoa jurídica para produção de bens e serviços, o que impossibilitava o desconto de créditos com base no artigo 3°, II, das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, não restando outro dispositivo da legislação que amparasse a apropriação destes créditos por contribuintes que não exercessem atividades de limpeza, conservação e manutenção.
 
Também o Carf tem precedentes no sentido de que somente a pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção poderá descontar créditos calculados em relação a vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados e desde que relativos à mão-de-obra empregada nessas atividades (Ac. nº 3301-009.153, p. em 22/12/2020 e ACÓRDÃO: 3301-007.117, p. em 11/12/2019, entre outros).
 
Assim, o posicionamento exarado pela RFB em relação aos dispêndios com vale-transporte representa importante evolução na análise da questão por esse órgão, visto que flexibiliza os seus posicionamentos anteriores e deve influenciar também na jurisprudência do próprio Carf.
 
Gastos com mitigação de impacto ambiental
Poucos dias depois, em 20/1/2021, foi publicada a Solução de Consulta nº 1 da Cosit, que permitiu o uso de créditos de Pis e Cofins referentes aos gastos realizados pelas empresas com medidas de mitigação de impacto ambiental, especificamente no caso de curtumes e outras preparações de couro.
 
Concluiu a referida solução de consulta da Cosit que “no caso de pessoa jurídica dedicada ao curtimento e a outras preparações de couro, os gastos relativos a tratamento de efluentes, resíduos industriais e águas residuais, considerados indispensáveis à viabilização da atividade empresarial, em virtude de integrarem o processo de produção por imposição da legislação específica do setor, geram direito à apuração de créditos a serem descontados da Cofins e da Contribuição para o PIS/Pasep no regime de apuração não cumulativa, desde que observados os requisitos e condições estabelecidos na normatização desses tributos”.
 
A RFB considerou que a consulente, para o exercício de sua atividade, tem de adotar um sistema de tratamento indispensável para o funcionamento da produção e acabamento dos couros de forma sustentável e não danosa ao meio ambiente, conforme impõe a legislação pertinente. Isso porque as águas residuais (efluentes) são contaminadas e, quando despejadas no meio ambiente sem o tratamento adequado, são extremamente nocivas à natureza e à saúde humana. Logo, por força da legislação ambiental, a empresa se torna obrigada a cumprir tais exigências, sob pena, dentre outros aspectos, de sanções criminais, o que foi ponderado pela RFB.
 
Esse posicionamento já era observado pela jurisprudência da 3ª Turma da CSRF do Carf, conforme se percebe dos seguintes precedentes:
“CONCEITO DE INSUMOS. CRÉDITO DE PIS E COFINS NÃO CUMULATIVOS. Com o advento da NOTA SEI PGFN MF 63/18, restou clarificado o conceito de insumos, para fins de constituição de crédito das contribuições não cumulativas, definido pelo STJ ao apreciar o REsp 1.221.170, em sede de repetitivo – qual seja, de que insumos seriam todos os bens e serviços que possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade ou inutilidade da mesma prestação do serviço ou da produção. Ou seja, itens cuja subtração ou obste a atividade da empresa ou acarrete substancial perda da qualidade do produto ou do serviço daí resultantes. Nessa linha, deve-se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre (i) Despesas com equipamento de proteção individual; (ii) Despesas com pallets utilizados como embalagem no transporte de produtos; (iii) Despesas com material de limpeza e higienização (detergentes, desinfetantes, produtos de limpeza, higienização, produtos para tratamento de efluentes) e (iv) Bens utilizados na manutenção de máquinas e equipamentos industriais (…) Despesas com material de limpeza e higienização (detergentes, desinfetantes, produtos de limpeza, higienização, produtos para tratamento de efluentes), os gastos com estes produtos são custos de produção que decorrem de regras cogentes estabelecidas por órgãos regulatórios e que, portanto, são bens cuja aquisição é condição sine qua non da produção ou industrialização do produto final. As regras sanitárias são absolutamente essenciais e de observância obrigatória nos estabelecimentos que produzam gêneros alimentícios, de modo que não há como se produzir alimentos sem que tais requisitos de higiene bem como o tratamento dos efluentes que serão devolvidos à natureza sejam atendidos” (Acórdão nº 9303-010.180 – CSRF / 3ª Turma – Cons. Rel. Tatiana Midori Migiyama – d.j. 12/2/2020 – grifos do autor).
 
“DIREITO DE CRÉDITO. CUSTOS COM TRATAMENTO DE EFLUENTES DO PROCESSO PRODUTIVO. Cabe a constituição de crédito das contribuições não cumulativas sobre os dispêndios em que o industrial incorre para remover ou tratar os resíduos do processo, em respeito ao critério da essencialidade à atividade do sujeito passivo” (Acórdão nº 9303-008.996 – CSRF / 3ª Turma – Cons. Rel. Tatiana Midori Migiyama – d.j. 17/7/2019).
 
Ambos os pronunciamentos da RFB, na verdade, são reflexo do posicionamento do STJ no recurso repetitivo nº 1.221.170, no qual a corte ampliou o conceito de insumos para fins de tomada de créditos de PIS/Cofins.
 
Como se sabe, em sessão realizada em 22 de fevereiro de 2018, a 1ª Seção do STJ concluiu o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR, submetido ao regime dos recursos repetitivos, restando definido que o conceito de insumo, para demarcar os créditos relativos à não cumulatividade do PIS e Cofins, deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância. O precedente restou assim ementado:
 
“TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015).
 
1. Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo.
 
2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
 
3. Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos relativos a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI.
 
4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte” (REsp 1221170/PR, Rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção, julgado em 22/2/2018, DJe 24/4/2018).
 
Foi adotada a linha de pensamento que consideramos a mais correta, no sentido de que a apropriação do crédito deve se dar em função da pertinência do bem ou do serviço adquirido para a execução das atividades que produzem a receita da pessoa jurídica. Afastou-se, assim, a interpretação mais restritiva da Receita Federal (isto é, os insumos, conforme a legislação do IPI, seriam os gastos incorridos com bens e serviços diretamente empregados no processo produtivo — que mantêm contato físico direto com o bem produzido).
 
Assim, deve-se averiguar se o gasto é essencial ou relevante dentro daquele segmento econômico para a produção da receita, sendo indiferente se o gasto se dá antes ou depois da produção ou da venda do bem ou da prestação do serviço. O que importa é a sua indispensabilidade (essencialidade) ou contribuição importante (relevância) à obtenção da receita.
 
Percebe-se, do racional das soluções de consulta analisadas, que os dispêndios da pessoa jurídica destinados a viabilizar a sua produção de bens ou a prestação de serviços e que sejam exigidos por imposição legal serão considerados insumos para fins de creditamento de PIS e de Cofins pela RFB. Isso porque, na análise do direito de crédito sobre os dispêndios com vale-transporte e com tratamento de resíduo, a obrigatoriedade legal do gasto foi fator determinante para que houvesse o reconhecimento pela RFB.
No que se refere especificamente aos dispêndios com vale-transporte e com tratamento de resíduos, as empresas podem, mediante procedimento específico, não apenas passar a tomar crédito sobre todos os valores pagos aos seus funcionários, mas também, pelas vias adequadas, lançar mão dos créditos dessa natureza não aproveitados nos últimos cinco anos (crédito extemporâneo).
 
De outro lado, a despeito da inegável importância dessas manifestações da RFB sobre o assunto, o Fisco ainda está longe de reconhecer o direito de crédito de PIS e de Cofins na sistemática não cumulativa em sua plenitude constitucional e legal (no que diz respeito aos gastos com vale-refeição, vale-alimentação, fardamento e uniformes fornecidos aos funcionários, por exemplo, a Solução de Consulta nº 7.081 continua afirmando que o creditamento é possível apenas para empresas que prestam serviços de limpeza, conservação e manutenção).
 
Assim, é possível questionar qualquer posicionamento da RFB que não se amolde ao julgamento do STJ a respeito do tema, visto que a referida decisão é vinculante para a RFB em razão do disposto no artigo 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 12 de fevereiro de 2014, e nos termos da Nota SEI nº 63/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF,3 exarada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos termos do artigo 3º da referida portaria conjunta.
 
Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino é advogado do Dias de Souza Advogados Associados, administrador de empresas, especialista em Direito Tributário pelo IBET e mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP.
 
Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-fev-16/fiorentino-receita-segue-posicao-stj-pis-cofins