RAZÕES PARA NÃO MODULAR OS EFEITOS DA DECISÃO DO STF NO RE 1.063.187-SC – TEMA 962

O STF julgou o mérito do RE 1.063.187-SC, publicado em 16.12.21, tema 962, fixando a tese “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário’’.

A Fazenda Nacional opôs embargos de declaração (EDs), arguindo, também, a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade com base na estabilidade da jurisprudência do STJ, especialmente a do REsp 1.138.695-SC, tema 505¹, que reconheceu a “higidez da cobrança tributária em questão”.

A modulação requerida no RE por meio dos EDs sugere dois momentos: a) 24.09.21 – data em que finalizado o julgamento virtual referente a inconstitucionalidade; ou b) 01.09.21 – data do agendamento da inclusão do processo em pauta para o dia 17.09.21, se não, o próprio dia de início do julgamento.

Ainda que a modulação possa ser requerida via embargos de declaração, a regra, quando o acórdão é omisso sobre os efeitos temporais, é a aplicação dos efeitos ex tunc (retroage), visando não estimular atos inconstitucionais.

Reconhecendo o estado de imperfeição das leis e dos padrões decisórios, o STF está autorizado a adotar decisão alternativa – ao considerar os impactos na segurança jurídica e no excepcional interesse social –, permitindo, excepcionalmente, a aplicação dos efeitos ex nunc (não retroage ou limita o prazo para retroação) por meio da modulação dos efeitos.

A modulação dos efeitos não encontra respaldo, específico, na Constituição Federal; seu alicerce é resultado das garantias constitucionais refletidas em legislação esparsa e no Código de Processo Civil (CPC), art. 927 que, em seu § 3º, assevera que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante (…) pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”, deixando claro que os dois requisitos (segurança jurídica e interesse social) devem estar presentes na medida em que utiliza “e no”.

Não se desconhece que as legislações de regência da matéria modulação – Leis 9868/99 (art. 27) e 9882/99 (art. 11) –, utilizam “ou” em relação aplicação dos referidos requisitos, mas, entendemos que no presente caso, pelas razões anteriores, deve prevalecer a aplicação do art. 927, § 3º, do CPC.

No entanto, ao se encorajar a aplicação de normas viciadas de inconstitucionalidade, se autoriza, também, a desobediência à Constituição. Como há muito defende o Ministro Marco Aurélio: “toda norma editada em desarmonia com essa última é nula, natimorta”²; ou seja, não a admite sob hipótese alguma.

Contudo, a modulação dos efeitos da decisão proferida nos autos do RE 1.063.187-SC está posta e precisa ser enfrentada pelo STF, e acreditamos existirem razões para que tal pleito seja indeferido.

É que desde meados de 1970 o STF trilha o caminho de parametrização da modulação dos efeitos, acatando a segurança jurídica e o excepcional interesse social como requisitos para outorgar efeito ex nunc às decisões que declaram a inconstitucionalidade e exigem a modulação dos efeitos da decisão no tempo.

Tem-se que os direitos fundamentais, alicerçados na segurança jurídica e no excepcional interesse social, são conquistas caras tanto da sociedade quanto processuais e democráticas. Por isso, a Constituição Federal é colocada em primeiro plano; ou seja, a modulação dos efeitos no tempo “trata-se de fenômeno anormal que se deseja seja raro”³ e trabalhado nos limites das previsões constitucional e legal, já que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil” (art. 1º do CPC).

Prima-se pelo discurso jurídico, o qual deve ser enfrentado com precisão, profunda justificação, já que o dever de fundamentação outorga voz às decisões judiciais e garante que graves equívocos não sejam praticados, considerando que a declaração de inconstitucionalidade não é matéria a ser revisitada.

Quando a Fazenda Nacional traz à baila a segurança jurídica, para pleitear a modulação no RE 1.063.187-SC, da forma como fez – ou seja, fundamentando na estabilidade da jurisprudência do STJ (REsp 1.138.695-SC) –, sem dúvida provoca a aplicação do art. 927, § 3º, do CPC, e também evoca, implicitamente, os interesses públicos enquanto defensora do caixa fiscal (tributário), ignorando os excepcionais interesses sociais em nome do equilíbrio financeiro do Estado que, sempre, envolverá expressivo contingente de dinheiro. As razões consequencialistas são inadmissíveis e imprecisas diante da ausência técnica e concreta das informações prestadas. De qualquer forma, autorizar o Estado a aproveitar-se da própria torpeza é temerário e inaceitável.

A segurança jurídica é um bom argumento jurídico, mas não caminha sozinho na modulação dos efeitos já que, conforme demonstrado, há indispensabilidade do excepcional interesse social cumulada a esse.

Pertinente destacar a dissonância entre o interesse público e o social, aqui, em especial, essas expressões não podem ser confundidas e/ou utilizadas como sinônimos. O interesse público permeia os interesses do Estado (consequencialismo), já o interesse social – diante de um recorte conceitual – é baseado na segurança social, afastando todo e qualquer caráter político ou fiscal-arrecadatório.

A definição e aplicação do excepcional interesse social não é tarefa fácil, não está prescrita na legislação, em livros, sequer nas decisões judiciais, mas sem dúvida corresponde aos interesses dos administrados (sociedade), não dos administradores do Estado. Por isso, diz-se que o Estado tem o papel de executor dos interesses públicos e defensor dos interesses sociais frente à Constituição Federal.

Georges Abboud4 expõe que “os direitos fundamentais são limites para a atuação de qualquer poder público”, jamais podendo “ser suprimidos ou restringidos com fundamento em uma suposta primazia do interesse público por meio de decisão de inconstitucionalidade que venha privilegiar o interesse do Poder Público em detrimento dos direitos dos jurisdicionados”.

Em relação à atribuição de efeitos moduladores no presente caso, não se está diante da segurança como proteção dos direitos individuais dos cidadãos, mas da segurança social, exigindo-se a demonstração de prejuízo real à segurança jurídica e ao excepcional interesse social, profunda análise do caso jurídico e, ainda, ponderação e fundamentação da decisão, tudo para evitar o deferimento de uma modulação equivocada.

Diante do exposto, entendemos que não estão presentes todos os requisitos necessários que para o STF, de forma válida e constitucional, module os efeitos da decisão proferida no RE 1.063.187-SC, na medida em que para modulação:

a) é imprescindível que a segurança jurídica esteja conjugada ao excepcional interesse social (art. 927, 3º, do CPC), que necessariamente, por se constituírem em conceitos abertos, vagos e indeterminados devem ter suas presenças devidamente justificadas e fundamentadas por meio de uma interpretação integrativa – lei material, lei processual e preceitos constitucionais – para garantir os direitos fundamentais constitucionais e processuais;

b) ao estabelecer tal fundamentação, deverão ser afastadas as hipóteses que caracterizam razões de interesse público, em substituição ao excepcional interesse social, pois a decisão a ser proferida influenciará as obrigações da organização do Estado, enquanto ente público, ou seja, fazendo-se uma comparação entre a disposição/interpretação constitucional que foi infringida pela lei – então declarada inconstitucional – e os valores constitucionais que representam os efeitos produzidos pelo ato inconstitucional, forçoso é concluir que haverá reflexo no Estado-administrador e, não, no Estado-social;

c) o efeito consequencialista ao caixa do Estado-admininstrador, ainda que sob a névoa da segurança jurídica, só pode ser utilizado de forma válida se, efetivamente: 1) também, restar demonstrado (tecnicamente) o expressivo valor pecuniário que foi recolhido de forma inconstitucional pelos Contribuintes aos cofres públicos a título de IRPJ e CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, ou seja, necessariamente deve ser feita uma comparação – sopesamento – entre o valor arrecadado e o valor a restituir; c.2) a diferença aritmética/pecuniária entre o primeiro e segundo valores der negativa. Assim, não há como, simplesmente, arguir que o “Estado vai quebrar se não for aplicado o efeito modulador, in casu”.
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1 “Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa”
2 A título de exemplo: ADI 6167 ED; ADI 6518, ADI 4712; ADI 4782; ADI 5469;ADI 5681; ADI 6321; ADI 3601 ED; ADI 3609; ADI 3660.
3 ALVIM, Teresa Arruda. Uma novidade perturbadora no CPC brasileiro de 2015: a modulação. Revista de Processo, v. 312, São Paulo: Thomson Reuters, fev. 2021, p. 301-330. E-book.
4 ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. E-book.

Fonte: https://painelderiscos.com.br/tributariorazoes-para-nao-modular-os-efeitos-da-decisao-do-stf-no-re-1-063-187-sc-tema-962/