INCIDÊNCIA DE ITBI X INCORPORAÇÃO DE BENS MÓVEIS
Após decisão DO STF NO RE 796.376 / SC
O Supremo Tribunal Federal, nenhum julgamento do RE 796.376 / SC (tema 376 da repercussão geral), decidiu, por maioria de votos (7 a 4), que, na transmissão de imóveis, incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, na integralização de seu capital social, há aumento de ITBI apenas na parte em que o valor excedente destes bens se o destino à formação de reserva de capital. Em outras palavras, deixado assentado que a imunidade ao ITBI, previsto no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens imóveis que, por exceder ao capital social a integralizar, vai para a reserva de capital.
Anote-se que, em seu voto vencido, o Ministro Relator Marco Aurélio Mello manteve uma imunidade integral ao ITBI, propondo o seguinte tese : “ Revela-se imune, sob o ângulo tributário, uma incorporação de imóvel ao patrimônio de pessoa jurídica, ainda que o valor total exceda o limite do capital social a ser integralizado ”.
O Ministro Alexandre de Moraes divergiu, no que foi acompanhado pela maioria dos seus pares, aduzindo que “ o argumento no sentido de que incide a imunidade em relação ao ITBI, sobre o valor dos bens incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica, em realização de capital , excedente ao valor do capital subscrito, não encontra amparo no inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF / 88, pois ressalva que sequer tem relação com a hipótese de integralização de capital ”.
Afirmou, ainda, que “[r] evelaria interpretação extensiva a exegese que fingesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não efetuou reparações à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se o destino o excedente de valor à formação de reserva de capital ”. Entendeu, pois, que o ITBI incide sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o do capital subscrito a ser integralizado. Dito de outro modo, decidiu que a imunidade se restringe ao valor destinado à integralização do capital social, o que ocorre quando os sócios da pessoa jurídica quitam, com bens imóveis, as quotas por eles subscritas.
Em suma, o voto condutor procedeu a uma redução semântica do texto constitucional, limitando a imunidade em tela aos imóveis médicos à imediata integralização do capital subscrito. Assim dispôs, nada obstante a Constituição Federal e o próprio Código Tributário Nacional desonerarem de ITBI uma incorporação de bens imóveis ao patrimônio da empresa, que, como se sabe, compreende como reservas de capital.
A decisão do STF, no entanto, absolutamente não autoriza os Municípios a avaliarem, de acordo com as condições usuais de mercado, o bem imóvel que, pelo seu valor nominal, integralizou o capital social da pessoa jurídica, de modo a fazer incidir o ITBI , sobre o valor excedente.
Então, vejamos.
O caso julgado tratou da diferença entre o valor atribuído aos imóveis pelo contribuinte – que tanto podia ser o despendido na aquisição (constante da declaração do IR), como o atualizado de acordo com o mercado – e o das cotas ou ações com eles integralizadas. Ao contrário do que pretendem alguns, não cuidou da diferença entre o valor cadastral (valor venal, para fins tributários, definido pelo Município) e o valor histórico dos imóveis, quando o contribuinte adota este último e com ele integraliza cotas ou ações de idêntica expressão nominal .
Cuida-se de duas hipóteses distintas e, nessa medida, inconfundíveis. A primeira: do valor do imóvel versus o valor das cotas / ações. A outra: do valor cadastral do imóvel (o valor a eleito pela municipalidade) versus seu valor histórico. A pretensão ao ITBI, neste último caso, não foi discutida no acórdão, que sempre se refere ao excesso de valor dos imóveis sobre o capital a ser integralizado, com uma conseqüente formação de reserva, na contabilidade da empresa destinatária.
Cabe lembrar, a propósito, que o art, 23, da Lei 9.249 / 95, dispõe: “como pessoas físicas transferir a pessoas jurídicas, um título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da declaração de bens ou pelo valor de mercado “(caput). E, em seu § 1º, prossegue estatuindo: ” se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas devem lançar nesta declaração as ações ou cotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos ” . Ressalva, no entanto, agora em seu § 2º: ” se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital “.
Pois bem. Alguns Municípios, numa interpretação “muito a propósito” do que foi decidido pelo STF, estão entendendo que, com base no precitado § 1º, o valor que deixou de ser tributado pela União, como ganho de capital, pode ser alcançado pelo ITBI. Ora, isso não foi sequer objeto do RE 796.376 / SC, que girou apenas em torno da efetiva diferença entre o valor dos imóveis e as cotas ou ações integralizadas.
Portanto, a decisão do STF não autoriza os Municípios a se utilizarem de um benefício concedido pela União, qual seja, ou de incorporar os bens pelo valor histórico, para dele extraírem uma vantagem indevida. Com efeito, caso a integralização ocorresse pelo valor de mercado, tudo o que se critério seria a incidência imediata do IR sobre o ganho de capital, sem o nascimento de qualquer dever de recolher o ITBI. Não vemos como aceitar que a integralização por um valor menor – contra cotas ou ações com um valor de face também menor – deva atrair o imposto do imposto municipal.
Em suma, a transferência dos imóveis e a emissão das cotas ou ações se fazem pelo valor histórico, unicamente por economia de IR, com conhecimento pleno e mesmo o estímulo da União. Inexiste, na hipótese, qualquer perda de ITBI, a justificar uma reação dos Fiscos municipais, mas, apenas, o propósito oportunista de se apropriarem de um incentivo concedido por terceiro (a União) ao seu contribuinte de IR.
Em conclusão, o recente acórdão do STF parece-nos, com o devido respeito, merecedor de crítica, mas nem de longe referenda a exigência de ITBI sobre a diferença entre o preço de mercado (ou valor cadastral) do imóvel e seu custo histórico, quando este foi adotado pelo contribuir para integrar cotas ou ações de igual valor face.
Alice Grecchi, especialista advogada em Direito Tributário
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